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Reforma tributária traz impactos para o Ceará

Por Júlio Sonsol e Salomão de Castro
08/04/2024 13:48 | Atualizado há 1 mês

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Ceará adequou sua legislação à reforma tributária aprovada em 2023 pelo Congresso Nacional Ceará adequou sua legislação à reforma tributária aprovada em 2023 pelo Congresso Nacional - Arte: Publicidade/Alece

O Portal do Servidor da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) inicia, nesta segunda-feira (08/04), série especial de matérias sobre o tema "Reforma tributária e seus impactos sobre o Ceará: cenário atual e perspectivas". Na primeira matéria, são abordadas as reformas tributárias aprovadas no Brasil desde 1934 e a adequação à legislação estadual, feita pelo Governo do Estado. O pesquisador do Observatório de Finanças Públicas do Ceará, Lúcio Maia, trata das perspectivas sobre o cenário econômico a partir das legislações federal e estadual.

Até o ano de 2023, o Brasil, desde a proclamação da Republica, havia realizado quatro reformas tributárias (1934, 1946, 1967 e 1988), promovendo a criação de tributos e o aumento da base tributária. Na reforma de 1967, introduziu-se o Imposto sobre o Valor Adicionado, bem como mecanismos para aumentar a eficácia da arrecadação.

De acordo com estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual dos tributos saltou de 7%, em 1920, para 38,95%, em 2005. De 1920 a 1958, a carga tributária acumulou aumento de mais de 170%, passando de 7% para 19% do Produto Interno Bruto (PIB). Nesse período, houve crescimento das tributações domésticas, dos tributos diretos e a criação de impostos sobre o consumo e a renda (Imposto de Renda - IR, criado em 1924, e o Imposto sobre Vendas e Consignações - atual ICMS, criado em 1934), que passaram a se constituir nas principais fontes de receita.

A reforma de 1934 concedeu competência tributária aos municípios, criando-se o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o imposto sobre as profissões. A partir daí o imposto de importação tornou-se um instrumento de política comercial.

A última reforma da tributação do país aconteceu por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 132, que foi aprovada pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) em 15 de dezembro de 2023 e promulgada em 19 de dezembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A articulação da aprovação da matéria contou com o envolvimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, junto a governadores e ao Congresso Nacional, diante da grande repercussão da matéria para estados e municípios.

Senadores comemoram aprovação da reforma tributária, em 8 de novembro de 2023 - Foto: Divulgação/Senado Federal (site)

Durante o ato solene de promulgação da PEC, em 20 de dezembro de 2023, realizado no Senado, o presidente da Casa Legislativa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), qualificou a reforma tributária como "marco histórico e um ponto de virada na história do País". Ele reconheceu que a proposta foi objeto de divergências, mas lembrou que havia o consenso de que o sistema atual é complexo demais e precisava ser simplificado. Pacheco admitiu que a tarefa de buscar um texto final não foi fácil, mas disse que o Congresso entregava à Nação um texto equilibrado, focado na justiça fiscal e na desburocratização. 

Legislação estadual

Com as mudanças da legislação, foi determinado um novo modelo na cobrança de impostos sobre bens e serviços (ICMS) que afeta diretamente a esfera das tributações estaduais. Desta forma, no sentido de adaptar-se ao disposto em lei federal, o governador Elmano de Freitas (PT) enviou à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) o projeto de lei que acompanhou a mensagem 9170, de 19 de dezembro de 2023, para apreciação dos 46 deputados e deputadas estaduais.

O projeto propôs alterações que na visão de lideranças do país resultaria em maior justiça social na cobrança de tributos, haja vista que as pessoas com menores remunerações passariam a pagar menos tributos, proporcionalmente. O presidente Lula afirmou, na ocasião, que todos os parlamentares - de situação ou oposição - "contribuíram para que, pela primeira vez em um regime democrático, uma reforma tributária fosse entregue ao País".

Conforme a mensagem enviada à Alece pelo governador Elmano de Freitas, que acompanhou a nova lei, há redução na carga tributária incidente sobre produtos consumidos pela população mais pobre, "na medida em que amplia a redução da base de cálculo das operações com mercadorias que compõem a cesta básica", salientou o chefe do Executivo. Também foi prevista desoneração na apropriação de créditos pelo contribuinte, conforme o texto original.

Pontos relevantes 

Ainda foi prevista a adaptação da legislação, abordando a extensão de isenção para aquisição de livros eletrônicos e leitores (e-readers), mesmo que possuam outras funcionalidades. O texto legal também dispôs sobre a adoção de medidas voltadas a coibir a prática de crimes fiscais e a anulação de inscrição do Cadastro Geral da Fazenda (CGF), do contribuinte que participe de organização criminosa voltada prática de fraude fiscal.

Houve, nas disposições da mensagem, a inserção de inovações nos critérios de auditorias a serem adotados pelas autoridades fiscais, especialmente na verificação de omissão de entrada de serviços sujeitos a incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Estão previstas novas hipóteses de infrações alusivas ao não fornecimento ou fornecimento incompleto de informações em ambientes virtuais.

Alece aprovou legislação estadual adequando o Ceará à realidade nacional em dezembro de 2023 - Foto: Dário Gabriel

O projeto de lei tramitou na Alece em regime de urgência, haja vista que precisaria ser aprovada até o final do período legislativo, para passar a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2024. No Estado, a principal novidade foi o aumento do desconto na base de cálculo do ICMS sobre produtos alimentares essenciais. O percentual da dedução saiu dos atuais 61,11% para 65% na base de cálculo do Imposto sobre alimentos.

Os produtos que sofreram descontos são arroz, açúcar cristal, frango, ovos, óleo de soja, de algodão e de palma, banha de porco, frutas, carne bovina, bufalina e suína, exceto maturadas, importadas e cortes como filé mignon, farinha e fubá de milho, leite bovino pasteurizado tipo "longa vida", margarina e creme vegetal, pescado, exceto molusco, crustáceo, salmão, bacalhau e hadoque, sardinha, leite em pó integral, instantâneo ou desnatado.

Medicamentos genéricos, como dipirona ácido e acetilsalicílico (AAS), insulina NPH, soro fisiológico e outros, bem como produtos de limpeza, como água sanitária, detergente, desinfetante também devem ficar mais baratos, com a redução de 65% sobre o cálculo do ICMS. Por iniciativa de emenda parlamentar coletiva, subscrito pelos deputados Larissa Gaspar (PT), Emília Pessoa (PSDB), Marta Gonçalves (PL), Romeu Aldigueri (PDT), Lia Gomes (PDT) e Júlio César Filho (PT), dentre outros,  foi mantida a isenção do imposto sobre absorventes, como forma de combater a pobreza menstrual no Ceará. 

Regulamentação em andamento

Conforme o pesquisador do Observatório de Finanças Públicas do Ceará, Lúcio Maia, órgão vinculado à Fundação do Sindicato dos Fazendários do Ceará, o sistema tributário brasileiro é reconhecido como complexo e regressivo, destacando-se pela variedade de tributos com diferentes alíquotas e bases de cálculo.

"Ao contrário dos países do G20, grupo formado pelas maiores economias do mundo, no Brasil, quem ganha mais paga menos impostos", frisa, em referência ao grupo formado por África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia.

Segundo ele, para que esta distorção seja reparada, é necessário que o Congresso Nacional aprove a regulamentação do artigo 18 da Emenda Constitucional 132, com uma legislação infraconstitucional. O pesquisador esclarece que o Poder Legislativo tem prazo de seis meses para promover esta regulamentação, que vai ser encerrar em junho próximo. "Se isso não ocorrer, a legislação aprovada vai caducar, e terá que ser editada uma nova PEC", disse. A regulamentação do artigo 18 terá prazo de dois anos para entrar em vigência. Se não for regulamentado o dispositivo, aponta o pesquisador, não haverá a progressividade da tributação de impostos.

Lúcio Maia aponta também que a complexidade legal dificulta o cumprimento das obrigações tributárias e aumenta os custos de arrecadação. "A regressividade de impostos significa que o peso da carga tributária recai mais sobre os bens e serviços, afetando principalmente os contribuintes de menor renda, e beneficiando os faixas da população mais abastadas. O sistema tributário, para ser progressivo, como posto em prática nas maiores economias, propicia um desenvolvimento econômico mais justo, com distribuição de renda de forma menos desigual", avisa.

O que deve ser feito

Para que isso ocorra, no seu entender, é necessário tributar mais o patrimônio e renda, e menos os bens e serviços básicos. Assim, seria assegurada carga tributária necessária para atender à sociedade, apenando menos as classes mais carentes. "A reforma tributária é amplamente reconhecida como necessária devido à ineficiência da arrecadação, à insegurança jurídica e à desigualdade social. A Emenda Constitucional (EC) nº 132, de 20 dezembro de 2023, objetiva a simplificar o sistema tributário, aumentando a eficiência da arrecadação e promovendo um ambiente mais justo", assevera.

Lúcio Maia, pesquisador do Observatório de Finanças Públicas do Ceará - Foto: Divulgação/Sintaf

Apesar de ser praticamente consensual a necessidade da progressividade dos impostos, há setores da sociedade, o chamado topo da pirâmide, que oferecem resistência à nova legislação, que propõe uma maior distribuição de renda.

O desafio reside em romper a resistência destes setores da sociedade, que apresentam argumentos contrários à redução das desigualdades, como o aumento da carga tributária para os contribuintes de maior renda e a complexidade de implementação. Ele considera que para haver efetiva redução da concentração de renda no Brasil, é preciso que se pense em uma legislação que vise a justiça fiscal. "Para que isso ocorra, é necessário haver uma progressividade na cobrança do imposto de renda. Quem ganha mais paga mais e, sobretudo, deve haver uma tributação sobre ganhos de capital e patrimônio", salienta.

A Emenda Constitucional é favorecida pelo argumento de simplificação na tributação e crescimento econômico, sem, contudo, apresentar estudos robustos de impacto macroeconômico. "Não há evidência confiável de que o sistema tributário é fator determinante do crescimento econômico. Não se pode imputar ao sistema tributário a única via para colocar o Brasil no caminho do crescimento", assevera Lúcio Maia.

Conteúdo digital: Leonardo Coutinho

Edição: Salomão de Castro

 

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