“Pai é quem cria?”: o que pode avançar na lei sobre a atuação dos padrastos
Por Fátima Abreu e Salomão de Castro11/08/2023 05:54 | Atualizado há 1 ano
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No mês em que transcorre o Dia dos Pais, que será neste domingo (13/08), o Portal do Servidor inicia, nesta sexta-feira (11/08), uma série especial tratando do exercício da paternidade a partir de uma outra perspectiva, a das famílias em que há a figura do padrasto. A legislação trata do assunto, mas há muito a avançar nesta questão. Confira.
“Pai na cabeceira: É hora do almoço.
Minha mãe me chama: É hora do almoço.
Minha irmã mais nova, negra cabeleira...
Minha avó me chama: É hora do almoço”
“Na hora do almoço” (Belchior)
Há muito ouvimos e, de certa forma, concordamos com a suposição de que “pai é quem cria”, difundida no senso comum. Por motivos variados, que envolvem as rotinas atribuladas de seus integrantes, e o próprio formato das famílias, que sofreu alterações ao longo dos anos, a “hora do almoço” familiar idealizada na inesquecível canção de Belchior é bem diferente em muitos lares. Após divórcios, por exemplo, crianças e adolescentes passam a conviver, em muitos casos, com as figuras do padrasto e da madrasta. Isso traz implicações definitivas nas suas vidas.
O tema volta a ser debatido neste mês, quando se aproxima o Dia dos Pais, neste domingo (13/08). No entanto, quando se trata dos deveres e direitos dos padrastos e madrastas, não há respaldo na legislação brasileira. Ou seja, o Código Civil deixa claro que não é facultado aos padrastos e madrastas o poder familiar. Mas o que vem a ser isso, afinal?
Conforme o artigo 1.595 do Código Civil: “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável”.
A discussão sobre o Poder Familiar é recente no universo jurídico e está contido no Código Civil de 2002, entre os artigos 1.630 e 1.638, no último Capítulo do Título I, que trata dos Direitos Pessoais relativos ao Direito de Família (Livro IV da Parte Especial). A “novidade” foi uma sugestão do filósofo do Direito, jurista, poeta e memorialista Miguel Reale, enquanto o Código Civil de 1916 se detinha ao "pátrio poder", ou seja, o poder do pai, o poder paterno, garantindo, expressamente, seu exercício ao pai na família.
O que diz a lei
A advogada e professora Sandra Regina Carvalho Martins, doutora e mestre em Direito Civil, especialista em Direito de Família e Sucessões, considera que os padrastos e madrastas não detém o poder familiar. Conforme o Código Civil, no artigo 1.636, o pai ou a mãe que contrai novas núpcias ou mantém relacionamento estável não perde os direitos ao poder familiar, exercendo-o sem qualquer interferência do companheiro.

Advogada e professora Sandra Regina Carvalho Martins, especialista em Direito de Família e Sucessões - Foto: Acervo pessoal
Considerando que o Código Civil não traz dispositivos legais adicionais com relação ao padrasto e à madrasta, Sandra Regina recorre a outra legislação sobre o tema. "Vamos nos socorrer ao Estatuto da Criança e do Adolescente e também da Lei Alienação Parental. Vamos buscar os deveres dos padrastos e madrastas. O que eles (padrastos e madrastas) devem é assegurar o direito à saúde, à alimentação, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar saudável”, acentua.
De acordo com ela, é também dever do padrasto/madrasta não tratar a criança/adolescente com negligência, discriminação, violência e práticas de atos de alienação parental. Ou seja, “colocar na cabecinha da criança ou adolescente, difamação dos genitores biológicos ou dificultar a convivência com os pais naturais”, assevera. Situações como a descrita por ela marcam a vivência de muitas crianças e adolescentes, gerando possíveis traumas futuros.
Padrasto x pai socioafetivo
A professora universitária, conselheira consultiva da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas (Alach), Renata Vilas Boas, aponta distinções entre os papeis desempenhados por pais biológicos e padrastos. "O pai socioafetivo equipara-se ao pai biológico/registral e como tal irá exercer o poder familiar ou a autoridade parental", entende. Por outro lado, no seu entendimento, ao padrasto não é concedido o poder familiar ou a autoridade parental. "Contudo, ele não pode se eximir de cuidar da criança ou do adolescente, colocando à salvo de toda e qualquer forma de negligência, maus-tratos e violência", defende.
Uma das autoras do livro coletivo "Direito de Família – Aspectos Contemporâneos" (Almedina Brasil), a advogada e professora Sandra Regina Carvalho Martins considera que a socioafetividade nasce com a convivência e precisa de três requisitos: o nome, o trato e a fama. Quando isto acontece, a criança/enteado detém o sobrenome do padrasto. Este requisito “é o menos relevante” e tem como base a Lei Clodovil (11.294/09), que permite ao padrasto dar o seu nome ao enteado(a), levando ao reconhecimento da parentalidade. A lei foi proposta por iniciativa do então deputado federal Clodovil Hernandes (à época do PR de São Paulo), em 2009.
O quesito fama tem a ver com os casos em que a criança ou adolescente convive com os filhos de outros casamentos. Quando se dá essa situação, na escola, as crianças são identificadas como irmãs, mas têm sobrenomes diferentes. “Se essa convivência tem o trato de pai/irmão/filho e o terceiro requisito, que é a fama, então, toda a sociedade reconhece a criança como filho. Isso tudo está ligado à vontade de realmente ser pai”, explica.

Natali Massilon Pontes, defensora pública, aponta que o que é necessário para que padrastos sejam reconhecidos como pais socioafetivos - Foto: Acervo pessoal
A defensora pública Natali Massilon Pontes, que atuou no Núcleo de Atendimento e Petição Inicial da Defensoria Pública na Assembleia Legislativa do Ceará, explica que quando há esse tipo de relação (padrasto/madrasta/menor) se cria um vínculo afetivo. “Daí sim, podem ocorrer alguns direitos para o menor e acabar com deveres para o padrasto/madrasta, podendo ser até passível de reconhecimento, fazendo com que a criança possa ter direitos iguais ao filho biológico, como alimentos, à visitação, como no caso de uma separação e até mesmo direitos sucessórios”, elenca. Ela lembra que neste caso é necessário que se ingresse com uma ação para que esse vínculo seja reconhecido judicialmente.
A defensora pública considera que o padrasto, para ser reconhecido como pai socioafetivo, tem que exercer a função paterna, de fato, para que haja reconhecimento judicial desse vínculo socioafetivo. “Se há o exercício da paternidade por um longo período, se a criança reconhece sempre como pai, mesmo que ele não queira, esse vínculo afetivo pode ser requerido pelo menor. Ou seja, o pleito pode ser feito pelo filho afetivo”, assevera.
A discussão sobre o exercício da paternidade tem sido pauta frequente entre representantes da justiça e da sociedade, sempre com o fito de oferecer e garantir a permanência dos direitos da criança e do adolescente. Contudo, é preciso ainda avançar mais na legislação para que sejam asseguradas todas as necessidades básicas que a criança e o adolescente necessitam para o seu desenvolvimento, quer seja com relação à saúde, a alimentação, a educação e sua plena convivência na sociedade. O Portal do Servidor seguirá fazendo essa discussão neste mês.

Arte: Defensoria Pública do Estado do Ceará
Serviço: Até o próximo domingo (13/08), Dia dos Pais, a Defensoria Pública do Ceará está com inscrições abertas para o mutirão de reconhecimento e investigação de paternidade - "Meu Pai tem Nome". A iniciativa é do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), em parceria com as Defensorias estaduais.
No Ceará, poderão se inscrever pessoas que moram em Fortaleza, Crato, Barbalha, Juazeiro do Norte, Jaguaruana, Sobral e Quixadá. O “Dia D” de atendimentos será 19 de agosto (sábado).
Conforme a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), 164.161 crianças ficaram sem o nome do pai na certidão de nascimento em 2022. No Ceará, 8.058 crianças foram registradas com pai ausente. Até junho deste ano, o total é de 4.324 crianças registradas sem o nome do genitor na certidão.
Edição: Salomão de Castro
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Autor: Núcleo de Comunicação Interna, com Agência de Notícias da Alece