O Impeachment de Collor na pauta da Alece e da sociedade civil
Por Júlio Sonsol e Salomão de Castro29/12/2022 10:58 | Atualizado há 1 ano
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Na segunda matéria da série especial sobre os 30 anos do Impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, publicada nesta quinta-feira (29/12), saiba como o assunto mobilizou a Assembleia Legislativa do Ceará e a sociedade civil local. O ex-deputado estadual Mário Mamede e a jornalista Klycia Fontenele recordam o período histórico e suas contribuições para o afastamento do então presidente da República
Há três décadas, as sessões ordinárias da Assembleia Legislativa do Ceará eram realizadas à tarde, tendo início às 14 horas. O contexto político no segundo semestre de 1992 era efervescente: o ano era de eleições municipais. Havia forte antagonismo entre os grupos políticos liderados pelo então governador Ciro Gomes (PSDB) e pelo prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães (PMDB). Nacionalmente, o Brasil vivia o processo de Impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, eleito pelo PRN e uma coligação de pequenos partidos em 1989. O tema foi levado ao Plenário 13 de Maio por diversas ocasiões entre agosto e novembro de 1992, segundo revelam as atas dispostas em mais de 400 páginas, organizadas pelo Departamento Legislativo da Alece e pertencentes ao Arquivo da Casa.
O clima político e social que antecedeu ao Impeachment gerou repercussões na Assembleia. Na ocasião, as discussões eram lideradas por três parlamentares eleitos em 1990 (um ano depois da eleição que levara Collor à Presidência): Mário Mamede (PT), Eudoro Santana (PSB) e Inácio Arruda (PCdoB). Eles haviam sido eleitos pela “Frente Ceará Popular”, que reunia os três partidos e reproduzia em nível local a aliança que apoiara a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência, em 1989. Eles foram batizados pela imprensa à época como bancada dos "Três Mosqueteiros", em alusão à obra de Alexandre Dumas.
No segundo semestre de 1992, p primeiro deputado estadual a se manifestar na Alece sobre o processo contra o presidente Collor foi o líder do PCdoB, Inácio Arruda. Na sessão do dia 4 de agosto, ele comentou os avanços das investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional que apurava denúncias contra Collor e aliados, apontando como única saída possível a deposição do presidente. Inácio também salientou que empresários ligados ao Governo Federal se posicionaram de forma defensiva, imputando toda a responsabilidade dos desmandos ao Poder Executivo. O parlamentar foi também o primeiro a comemorar o afastamento de Collor de Mello, inicialmente, em votação na Câmara dos Deputados, na sessão da Assembleia no dia 8 de outubro.
Em 14 de agosto, atendendo a requerimento conjunto de Inácio e Mário Mamede, o chamado Grande Expediente da sessão plenária foi utilizado para externar o sentimento da sociedade sobre as tensões geradas, a partir da realização da CPMI que investigava denúncias relativas ao tesoureiro da campanha de Collor, Paulo César Farias (PC Farias), empresário apontado com intermediador de propinas entre órgãos governamentais e o setor empresarial.
Ao debate compareceram o então diretor do Sindicato dos Bancários do Ceará, José Pimentel (que viria a se eleger deputado federal e senador pelo PT em eleições realizadas a partir de 1994); o então vereador por Fortaleza, Durval Ferraz (PT), e o empresário Fred Sabóia, presidente do Centro Industrial do Ceará (CIC). Eles debateram a crise política que País enfrentava e, após apresentar seus pontos de vistas, “foram unânimes em se tomar uma posição clara e objetiva contra a corrupção e apoiamento irrestrito o à Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou denúncias contra o Senhor Paulo César Farias”, segundo relatam as atas da Alece.
O líder do PSB na Assembleia, Eudoro Santana, leu, durante a sessão da Alece de 20 de agosto de 1992, fax da direção nacional da sigla pedindo apoio de todas as legendas ao pedido de impeachment de Collor de Mello. Em 26 de agosto, o parlamentar fez pronunciamento, conclamando a união de todos para uma saída democrática para a situação do Brasil, que seria o encerramento do mandato presidencial.
O apelo de Santana parece ter surtido pelo menos um efeito concreto: no dia seguinte, 27 de agosto, o deputado Tomaz Brandão (PMDB) externou, durante a sessão plenária, a sua solidariedade aos manifestantes do Ceará que, nas ruas, cobravam do Congresso Nacional o Impeachment do presidente da República. Com exceção dos deputados pelo PT, PSB e PCdoB, as atas da Assembleia no segundo semestre de 1992 fazem referência somente a Tomaz Brandão dentre os deputados que se posicionaram a favor do impedimento de Collor.
Mobilização social
Mário Mamede lembra que na época, movimentos sociais e sindicais perceberam que não havia razão para ser condescendente com o Governo Federal, em seus desmandos, notadamente pelo desmonte do Estado, por meio das privatizações. Isso desencadeou, no seu entendimento, uma série de protestos pedindo a cassação de Fernando Collor de Mello.
Ele recorda que a primeira medida do primeiro governo eleito pelo voto direto foi a apropriação da poupança dos brasileiros, medida determinada em março de 1990 pela então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, "levando grande parte da população ao desespero, à falência e até mesmo ao suicídio", o que gerou manifestações dos movimentos populares. "Daí surge o movimento Fora Collor, e a bancada de oposição na Assembleia Legislativa, composta por três deputados, tinha o compromisso político com os nossos partidos de sermos repercussão dos movimentos. Por isso, levamos a denúncia e realizamos debates no Parlamento", acentua.
Mário Mamede avalia que houve "bons enfrentamentos" com os setores conservadores, levando ao plenário as primeiras denúncias de corrupção, o esquema de propinas do empresário PC Farias. "Mesmo com as críticas que pudéssemos ter aos desmandos e as frustrações com o Governo Collor, foi primordial a participação popular em apoio a essas bandeiras", atesta.
O petista disse que nesta luta, reuniu o gabinete para avaliar a conjuntura e o cenário que estava se desenhando. "Chegamos à conclusão de que embora fôssemos um gabinete diminuto, mas muito qualificado, era necessário fazer um ato político na Praça da Imprensa, localizada na avenida Antonio Sales, para aproveitar o movimento de veículos e passagem de pedestres. E sendo naquela praça, haveria a tendência dos veículos de comunicação, como TV Verdes Mares e o jornal Diário do Nordeste, repercutirem o acontecimento", justifica, em referência aos desdobramentos do debate realizado na Assembleia no dia 14 de agosto.
De acordo com o ex-deputado, foi conseguida uma caixa de som e um microfone para que fossem ouvidos os pronunciamentos dos manifestantes. "Ficamos nos revezando", pontua, em referência a outras forças políticas presentes, integrantes de sindicatos e de partidos como PT, PCdoB e PSB. No seu entendimento, a partir desta iniciativa, o primeiro ato público no Ceará pela cassação de Collor de Mello foi bem recebido pelo público, “que acenava positivamente dos veículos que ali transitavam e os pedestres paravam para ouvir".
O papel dos caras-pintadas
Mário Mamede lembra ainda que o fator desencadeador de todo o movimento foi proporcionado pelo próprio Collor, que conclamou a população a apoiá-lo, por meio da frase “Não me deixem só”. Para o ex-deputado, a atitude provocou um efeito inverso na população, notadamente nos mais jovens, que aderiram às manifestações com os rostos pintados de verde e amarelo. "Foi muito importante a participação da juventude, os famosos caras-pintadas. Eram jovens alegres e efusivos, cheios de energia e que lotaram ruas e praças. Houve repercussões dentro do Parlamento e a coisa se tornou insustentável, do ponto de vista institucional", acentua.
Uma das jovens alegres, efusivas e cheias de energia a que alude Mamede ocupa as ruas e praças até os dias atuais: a jornalista e professora universitária Klycia Fontenele. Ela recorda com entusiasmo as manifestações realizadas em Fortaleza pelo Impeachment de Collor. Aos 17 anos na ocasião, Klycia participava do Movimento Estudantil, como aluna da então Escola Técnica Federal do Ceará (atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE). Para ela, as manifestações iniciadas no Impeachment de Collor se desdobraram em defesa de outras pautas, em 1993, quando passou a estudar no Colégio Farias Brito.
Líder do Movimento Estudantil nos anos 1990 em Fortaleza, a jornalista destaca que a dinâmica das manifestações era distinta das atuais. “A gente ajudava a mobilizar. Havia, ao longo de cada passeata ou manifestação, pessoas que eram condutoras daquele processo. A gente fechava a rua pra que as pessoas pudessem passar sem muitos problemas, puxávamos palavras de ordem pra que fossem fortalecidas com o restante da galera. Hoje, a gente vê que as pessoas seguem em grupos em uma mesma passeata, mas são muito diferentes: cada uma com uma palavra de ordem, não aparece ninguém que feche a rua pra poder garantir que a passeata continue passando. Enfim, há algumas alterações na forma de conduzir”, compara.
No entender da jornalista e professora, os grupos que se uniram favoravelmente ao Impeachment de Collor eram ecléticos. Ela integrava o Movimento da Juventude Pela Libertação (MJPL), organização próxima politicamente da então deputada federal Maria Luíza Fontenele e da vereadora por Fortaleza, Rosa da Fonseca (ambas do PSB). Para Klycia, a denominação dos manifestantes como “caras-pintadas” foi estabelecida pela mídia comercial da época. “No começo, não havia esse nome. Nem sempre um movimento começa já com um nome definido. Não havia homogeneidade entre os ´caras-pintadas´: o que nos aproximava era a mobilização devido às denúncias de corrupção e a vontade de tirar o presidente do poder”, afirma.
Três décadas após o Impeachment de Collor, ela avalia que o grupo do qual fazia parte, na época, se manifestava para além da defesa pontual do afastamento do então presidente. “Éramos também anticapitalistas, na forma mais ampla que a palavra quer dizer, não apenas no aspecto econômico, mas levando em conta todas as relações culturais, sociais e humanas que o capitalismo destrói e deturpa”, relata Klycia, que, mais uma vez, se prepara para ocupar as ruas e praças: desta feita, na posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília (DF), neste domingo (01/01/2023).
Morte de Ulysses Guimarães também marcou o período
O processo de Impeachment foi ainda marcado por um momento trágico da política nacional, que também gerou manifestações na Alece. Um episódio ainda nebuloso e não suficientemente investigado no cenário político nacional, mesmo decorridos 30 anos. No dia 12 de outubro de 1992, desaparecia o então deputado federal Ulysses Guimarães (PMDB-SP). Ele, sua esposa, Mora Guimarães, o ex-senador Severo Gomes (PMDB-SP), esposa e o piloto morreram em um acidente de helicóptero, próximo a Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Apenas o corpo de Ulysses nunca foi encontrado. Nascido em Itirapina (SP), em 6 de outubro de 1916, Ulysses ficou conhecido pela luta contra a Ditadura Militar e pela Redemocratização do Brasil, incluindo a campanha conhecida como Diretas Já, no biênio 1984/1985.
Ulysses presidira a Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988), que estabeleceu a nova Constituição do Brasil, no dia 5 de outubro de 1988. Também foi candidato à presidência da República em 1989 e foi uma das principais lideranças a favor do Impeachment de Collor.
Os primeiros parlamentares a abordar a perda do líder peemedebista em Plenário foram Inácio Arruda e Fernando Hugo (PL), durante o Grande Expediente da sessão de 13 de outubro de 1992. Uma curiosidade é o fato de que dentre os parlamentares da legislatura 1991/1994, três exercem mandatos atualmente: o próprio Fernando Hugo (hoje no PSD), bem como Zezinho Albuquerque (Progressistas) e Manoel Duca (Republicanos).
Ulysses Guimarães recebeu homenagem póstuma da Alece, por iniciativa do deputado Eudoro Santana, em 14 de outubro de 1992. O Grande Expediente da Casa foi ocupado também por Antônio Câmara (PMDB), que ressaltou o papel do ex-deputado federal no cenário político nacional. O deputado Carlomano Marques (PDS), na mesma ocasião, compartilhou o momento de perda.
Confira abaixo da matéria vídeo em que o ex-deputado estadual Mário Mamede analisa o cenário político do Ceará em 1992, quando do Impeachment de Fernando Collor de Mello.
Edição: Salomão de Castro
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