Ceará teve papel marcante na campanha "Diretas Já"
Por Júlio Sonsol e Salomão de Castro04/04/2024 12:16 | Atualizado há 7 meses
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Na segunda matéria da série especial sobre a campanha pelas eleições diretas para Presidente da República, em 1984, o Portal do Servidor da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) destaca o papel que lideranças cearenses tiveram na mobilização. A mobilização reuniu o governador Gonzaga Mota, lideranças de partidos de oposição ao Governo Militar, como PMDB, PT e PDT, bem como da sociedade civil, por meio de entidades como o Centro Industrial do Ceará (CIC).
O retorno a normalidade democrática do país, após o golpe militar de 1964, se arrastou por mais de duas décadas. O movimento pelo direito de votar para presidente da República ganhou grandes proporções a partir de aniversário da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, quando o momento comemorativo paulistano consagrou a primeira grande manifestação popular em busca da liberdade do exercício do voto universal.
O ato realizado na Praça da Sé, na capital paulista, transformou-se em um comício com lideranças políticas pedindo o retorno da eleição presidencial, banida dos direitos civis desde a instauração da ditadura.
No mesmo dia do aniversário de São Paulo, o então PMDB cearense, que recentemente voltou a ter o nome de origem (MDB), preparou uma ação visando preparar uma ação em defesa da democracia. Foram espalhadas urnas nas principais praças do Centro de Fortaleza, onde as pessoas eram instadas a opinar, através de uma cédula, se queriam ou não votar para presidente.
Comício pelas Diretas Já mobilizou Fortaleza
O ato realizado em Fortaleza se repetiu três dias depois, em 28 de janeiro, na Praça José de Alencar, com a presença de líderes políticos nacionais, tais como o deputado federal Ulysses Guimarães (PMDB-SP), os governadores de São Paulo, Franco Montoro, e de Minas Gerais, Tancredo Neves (ambos do PMDB) - este seria eleito presidente em votação indireta no ano seguinte - e do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que havia disputado a eleição para o governo de São Paulo em 1982.
Tancredo Neves e Gonzaga Mota, então governadores de Minas Gerais e do Ceará, em 1984 - Arte: Publicidade/Alece
Além das falas dos políticos de expressão nacional, o público, calculado em torno de 30 mil pessoas, também assistiu discursos de lideranças locais contra o regime militar e shows artísticos. Foram mais de cinco horas de programação, com apresentações culturais, discursos e avisos de utilidade pública sobre desaparecimento de crianças na multidão. Barracas vendiam, além de picolés e cachorros-quentes, livros e jornais da oposição.
O então presidente do PMDB cearense, ex-deputado federal Iranildo Pereira, considerou que aquele momento só foi possível graças ao desmantelamento da máquina de repressão estatal, muito usada na década anterior e final da década de 1960, período conhecido como "Anos de Chumbo".
Ele também destacou ainda que na época aconteceu o apoio, ainda velado, do então governador Gonzaga Mota, eleito em 1982 nos quadros do PDS, partido de sustentação do governo militar. O governador, segundo o peemedebista, teria, discretamente, contribuído, inclusive, para montagem da estrutura do comício. Em setembro, até o então ministro das Minas e Energia, César Cals, ex-governador, também passou a defender eleições diretas. “Não há mais como se defender o Colégio Eleitoral. Deixou de representar a opinião do eleitor”, disse um dos integrantes do triunvirato dos coronéis apoiadores do regime militar no estado.
Papel de destaque
O doutor em sociologia e orientador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Parlamento Aberto e Democracia (Neppad), professor Cleyton Monte, avalia que o Ceará, no movimento Diretas Já, teve um papel muito especial. "As lideranças políticas cearenses foram as mais combativas do Nordeste do país na luta por eleições diretas para presidência da república. Nós tivemos o papel decisivo do presidente do diretório estadual do PMDB, Mauro Benevides", salientou. À época, Mauro Benevides, que fora senador, se encontrava sem mandato. Ele foi o segundo colocado na eleição para governador do Ceará, em 1982.
Comício em defesa das Diretas Já, em Goiânia (GO) - Foto: site Memorial da Democracia
O sociólogo considerou ainda que houve uma atuação muito destacada dos empresários cearenses, a partir do Centro Industrial do Ceará (CIC), que manteve uma atuação muito constante na defesa dos ideais democráticos, a partir de lideranças como os então empresários Tasso Jereissati e Beni Veras, dentre outros. "Além disso, houve uma aguerrida participação dos intelectuais, dos movimentos sociais, das mulheres operárias, também dos deputados e do governador Gonzaga Mota, na defesa por eleições diretas", pontua.
Para Cleyton Monte, houve um momento de confluência que unia governo estadual, forças de oposição e parlamentares das mais diferentes regiões em busca e em defesa das Diretas Já. "Então o Ceará se destacou e fincou a sua bandeira pelo retorno da democracia brasileira", acentua.
Primeiro comício
O governador Gonzaga Mota (1983-1987) participou pela primeira vez de ato público pelas eleições diretas a convite do então governador de São Paulo, Franco Montoro. Sua participação no movimento, no entanto, remonta a 1983. Conforme ele mesmo conta, estava em seu gabinete no Palácio da Abolição, quando recebeu um telefonema de Montoro, convidando-o a participar do Comício das Diretas Já, que seria realizado em 31 de março de 1983.
No dia e hora estabelecidos, estava em São Paulo, acompanhando a passeata que se iniciou na Praça da Sé e terminou no Vale do Anhangabaú. O comício foi aberto com a execução da 5ª Sinfonia de Beethoven. Na ocasião, Gonzaga Mota subiu ao palanque, tendo ao seu lado Tancredo Neves, Montoro, Leonel Brizola (governador do Rio de Janeiro, pelo PDT), Orestes Quércia (vice-governador de São Paulo pelo PMDB), Fernando Henrique Cardoso (senador do PMDB-SP), Mário Covas (prefeito de São Paulo, do PMDB), Lula e Ulysses Guimarães.
Dentre as lideranças presentes ao evento, se destacava o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT), autor da emenda em tramitação no Câmara dos Deputados que previa a adoção das eleições diretas para presidente da República. Além de lideranças variadas do PMDB, PDT e PT de vários estados, participaram personalidades como Sócrates (futebolista), atores como Mário Lago, Gianfrancesco Guarnieri, Christiane Torloni, cantores Chico Buarque, Martinho da Vila, Fafá de Belém, o apresentador Osmar Santos e o jornalista Juca Kfouri, dentre outros.
Gonzaga Mota se pronunciou no comício após o apresentador lhe passar o microfone. O representante cearense olhou para a multidão e pediu: “Quem for nordestino levante o braço”. Milhares de braços foram prontamente levantados e o governador cearense iniciou o seu discurso.
Em entrevista ao Portal Terra, publicada em 2013, Gonzaga Mota declarou que era muito ligado ao então vice-presidente Aureliano Chaves (que seria pré-candidato a presidente em 1984). Posteriormente, Gonzaga viria apoiar a pré-candidatura indireta de Tancredo Neves à Presidência. “Fui o único governador ao lado dele no início do processo de redemocratização que teve a coragem de ir à Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) defender o nome de Tancredo para presidente da República”, afirmou à época.
Convite para comício em favor das Diretas Já, no dia 25 de janeiro de 1984, em São Paulo (SP) - Arte: Divulgação/Fundação Perseu Abramo
"Nessa época, tive uma boa amizade com Ulysses Guimarães. Fomos eu e Aureliano que criamos a dissidência do PDS. A partir daí, foi criada a Aliança Democrática, oriunda dos dissidentes do PDS com o PMDB, que depois passou a ser chamada de Frente Liberal. Fui o primeiro governador do PDS a levantar a bandeira de Tancredo Neves. Até hoje recebo manifestações de carinho pela minha atuação há 30 anos", declarou, na mesma entrevista.
Cronologia
De acordo com a cronologia divulgada pelo site da Fundação Perseu Abramo, do Partido dos Trabalhadores (PT), o movimento Diretas Já foi desencadeado em 2 de março de 1983, quando o então deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou no Congresso Nacional a emenda que restabelecia as eleições diretas para a Presidência da República. Nenhum registro de destaque foi notado em jornais de peso à época.
Em 5 de abril de 1983, os cardeais católicos dom Paulo Evaristo Arns e Dom Ivo Lorscheiter pregam a necessidade das eleições diretas. Os religiosos foram prontamente rebatidos pelo general Costa Cavalcanti, presidente da Eletrobrás, dizendo ser contra as eleições diretas porque é "defensor da Constituição".
A partir de 20 de abril daquele ano, o PMDB decidiu procurar outros partidos e entidades representativas da sociedade civil para que se integrassem à campanha em elaboração.
Em seguida, no dia 27 do mesmo mês, o general Antônio Carlos de Andrada Serpa defendeu a sucessão do Presidente da República por via direta como uma forma de "ruptura pacífica com os 20 anos do passado revolucionário, desonerando as Forças Armadas das responsabilidades do poder". Na mesma data, conforme a Fundação, o PT se aliou ao PMDB na luta pelas eleições diretas.
Conteúdo digital: Leonardo Coutinho
Edição: Salomão de Castro
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Telefone: 85.3257.3032
Página: https://portaldoservidor.al.ce.gov.br/
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Autor: Núcleo de Comunicação Interna, com assessoria da Ceasa-CE